é o tempo que vai dizer
se eu vou ser, se eu vou lá.
é o tempo que vai dizer
se eu vou ver, se eu voltar.
é tempo que vai saber
se eu sumir e me calar
é o tempo, é o tempo.
À Millôr, gratidão!
é o tempo que vai dizer
se eu vou ser, se eu vou lá.
é o tempo que vai dizer
se eu vou ver, se eu voltar.
é tempo que vai saber
se eu sumir e me calar
é o tempo, é o tempo.
entra. não precisa tirar o sapato.
Tudo aqui já foi pisado, espremido, atormentado.
entra. mas cuidado:
cada canto carrega uma ferida em seu lugar.
isso. sinta-se a vontade.
a casa é nua.
finja que estou nem aí,
nem lá
nem louca.
finja que sou a sala do seu estar.
se acomode onde você deseja
esteja.
é aqui onde nosso amor vai morar.
te esqueces, querida
que o ali é breve
e o por pouco, acontece?
Temos que lembrar dos tempos que não temos.
Que é falta e é fome. Que vai ficar tudo bem.
Lembrar é a matemática da memória,
e calcular ausência é encontrar valor no que sobra.
Acordo com o silêncio da bússola.
Choro numa manhã fria, de cabeça quente e pensamentos chuvosos. Moletom amassado como o coração daqueles que a cidade já pisou. Sorrio, mas tudo é cronometrado. Segundo-por-segundo disputados, e eu, me entrego à tempestade.
[Quem quer passar além do bojador, tem que passar além da dor?]
Bebo algo quente e preto que escorre pelo ralo seco da garganta. Café e lágrima parecem combinar com o luto de tudo que já morreu afogado por dentro.
[Tudo vale a pena quando a alma não é pequena?]
Fiz rabiscos no mapa, criei vantagens vãs e inexistentes. Para quê? A rota mais parece o redemoinho de um bêbado, uma criança, um sonhador.
[Navegar é preciso, viver não é preciso?]
Penso por onde passei pra chegar até aqui, olho, e já não encontro sequer migalhas para voltar. Comi cada uma para saciar minha fome de caminhos.
[Fizestes uma longa viagem para chegar até o viajante?]
Coloco uma máscara em cima da outra, lavo as mãos como um Pilatos que diz a multidão: “Eu não sou responsável pelo sangue deste homem!”.
Só há sacrifício com um corpo. Ei-lo meu. Erro meu.
[Não tem medo de morrer na praia depois de ter engolido o mar?]
E deito na minha cama de pedra, onde a bússola sem norte ainda não me chama, e canto os ritos dos meus ancestrais.
Apelo para Oxum que afogue meu coração e Ogum que crave sua espada. Eu canto a minha sentença e faço da cruz, meu X do mapa.
meu peito frouxo
de coração inevitável
não segura batidas
sem morrer
cada segundo, obituário
mata-me a vida com mais viver.
[O que dizem os deuses quando enfim se encontram?]
onde me acerto
o tempo me erra
como um ponteiro aceso
num relógio cego e absurdo
e corro.
mordo as horas,
numa fome sem dentes
farejo cada segundo, cada segundo
cada segundo por onde já nada sou.
desensaiado
saio ao sol, suado
desassossegado
às pressas de viver
uma aventura
que traga candura, enquanto cango
à dura pena do meu ser.
e vou sendo
sem saber
mas sendo
sempre me benzendo
à sorte e a mercê.
arranho o vento
de peito, poeira
selo a sola à areia
jurando o meu destino
que eu não serei
mais um severino
serei Dom sumindo
no horizonte azul.
Somos amantes na ausência
Apaixonados pelo o que não somos
O vazio que nos descompensa
Acoberta nossos desencontros.